Foto: Guilherme Meneghelli
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho,
Ninguém passava entre as casas.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim
No beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência
Mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão
no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha
A desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim enxerguei a
Nuvem de calça.
Representou para mim
Que ela andava na aldeia de
Braços com Maiakovski
- Seu criador.
Fotografei
A nuvem de calça
E
O poeta.
Ninguém-outro poeta
No mundo faria
Uma roupa mais justa
Para cobrir
A sua noiva.
Manoel de Barros
(O Fotógrafo - Ensaios Fotográficos)
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